Em 2022, o Brasil chega ao bicentenário de sua independência política, em que
a sociedade brasileira poderá comemora seus 200 anos de história como nação,
revisitando o 7 de setembro como seu mito fundador, com seus heróis nacionais e
símbolos da pátria. Dessa forma, poderá ainda alimentar uma noção de pertencimento
a uma comunidade, reforçando os elos entre os diferentes e reiterando uma unidade
no diverso. Afinal, a independência e seus símbolos são poderosos instrumentos de
coesão nacional.
No entanto, observamos uma sociedade marcada por profundas desigualdades,
com um Estado incapaz de prover condições mínimas de vida para parte significativa
de sua população, gerando a destruição de elos sociais e a explosão da violência,
especialmente nas últimas décadas.
Há cerca de um século, no primeiro centenário da independência, os modernistas
se depararam com a necessidade de realizar um balanço da sociedade brasileira e
buscar as especificidades da identidade nacional, aquilo que definiria o ser brasileiro.
Ao confrontarem nossa cultura e nossa formação histórica com modelos
internacionais, encontraram, ou criaram, aquilo que consideraram corresponder às
reais características de nossa sociedade. Nesse cotejamento do local com as outras
sociedades, foi possível não somente valorizar os aspectos da cultura brasileira, como
também descobrir os impasses de nossa formação.
No século XXI, a globalização, ao favorecer a disseminação da noção de
“progresso” das elites financeiras e governamentais das duas últimas décadas do
século XX, não respondeu adequadamente às expectativas da sociedade, prejudicando
a assimilação dos benefícios da abertura econômica e criando condições para o
surgimento de tendências nacionalistas. Este movimento gerou fraturas profundas,
rompendo as identidades nacionais sustentadas por comunidades imaginárias,
tornando-as efêmeras e instáveis. Ao mesmo tempo, a globalização, aliada ao
surgimento de novas tecnologias, possibilitou formas de intercâmbio, de comunicação
e de trocas de saberes capazes de favorecer debates sob diferentes pontos de vista.
Diante do grave e complexo contexto nacional e global que se coloca, a
comemoração da independência se apresenta como um impasse. Viver 2022 apenas
como uma celebração, nos omitindo de uma real avaliação de nossa trajetória como
nação, será perder uma oportunidade de refletir sobre nosso passado, de refletir sobre
as versões canônicas construídas sobre nossa história e também sobre aquelas que
foram consideradas derrotadas e que representam, de certo modo, os projetos de Brasil
não realizados.
Desse modo, 2022 pode ser o tempo de a sociedade brasileira se confrontar com
seu passado, num momento em que os impasses sobre o presente e o futuro do país e
também da própria espécie humana se impõem mais do que nunca e nos desafiam a criar e construir, coletivamente, novos projetos de futuro.